O GLOBO - 23/04/2007
Ricardo Noblat
"Se eu pudesse acabaria com o Ibama". A confissão de Lula foi ouvida por interlocutores íntimos dele. Lula está irritado com as exigências feitas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para conceder licenças ambientais. E, sem elas, emperra ou anda devagar a execução de projetos país a fora.
É O CASO da construção de duas usinas hidrelétricas no rio Madeira. Ela pode afetar a natureza ao impedir a migração de quatrocentas espécies de peixes - um deles o bagre. Mas Lula está pouco se lixando para a sorte do bagre e de seus parentes. Cobra que as usinas saiam do papel. "Querem jogar o bagre no meu colo", queixou-se ele na semana passada. E emendou: "Alguns peixes não podem travar o desenvolvimento do país". Tolice! O buraco é mais embaixo.
AS USINAS de Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira, em Roraima, devem produzir 6.450 MW de energia elétrica. Fazem parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Há cerca de cem obras no PAC que dependem de licença ambiental para serem tocadas. Mas, no caso, não se trata de pedir pressa ao Ibama. A questão é outra: trata-se de pedir que ele respeite ou atropele as leis, parte delas escritas na Constituição. A legislação ambiental do Brasil é uma das mais avançadas do mundo.
A EXECUÇÃO de qualquer obra que afete a natureza passa em primeiro lugar pela apresentação ao Ibama de um estudo de impacto ambiental. Ele poderá recusá-lo ou aprová-lo mediante o cumprimento de certas exigências. Aí se dá a licença prévia para o início da obra. Uma segunda licença é dada quando o Ibama conclui que suas exigências foram atendidas. Então a execução da obra é autorizada. Uma vez pronta, dependerá de uma terceira licença para funcionar.
O ESTUDO de impacto ambiental das usinas do Madeira foi considerado incompleto pelo Ibama. O rio é o terceiro do mundo em volume de sedimentos transportados e um dos campeões em biodiversidade. Havia o risco de os sedimentos se acumularem nas duas represas, provocando o alagamento de grandes áreas. O risco acabou afastado. Permanece o risco das represas barrarem a migração de peixes. Do consumo e da venda deles dependem cerca de 2.500 pessoas que vivem às margens do rio.
POR ORA, e até que se encontre uma saída, bagres, dourados e afins prevalecerão sobre a vontade de Lula de correr com a construção das usinas. E de nada adianta jogar a culpa no Ibama. Se ele decidisse ignorar as leis, o Ministério Público entraria em cena. Há dez anos, o Ibama negou licença para a construção da usina de Belo Monte, no Xingu, destinada a produzir 11 mil MW. As águas represadas inundariam reservas indígenas.
PROJETOU-SE outra para gerar 3.500 MW. Aí um juiz de Altamira, no Pará, decretou que o Ibama não deveria sequer examinar o estudo de impacto ambiental da nova usina. Até que a decisão do juiz fosse derrubada se passaram seis meses. Foi pouco tempo se comparado com o que durou o impasse judicial para que o Ibama começasse a analisar o estudo de impacto ambiental da construção da terceira usina atômica em Angra dos Reis: 15 anos.
EM 2003, o Ibama concedeu 145 licenças ambientais. No ano passado, 320. O número de servidores do Ibama ocupados com a concessão de licenças passou em três anos de 72 para 120. Antes, o Ibama centralizava o exame de projetos capazes de interferir no meio ambiente. Agora, o compartilha com estados e municípios. Marcos Barros, presidente do instituto, está demissionário há sete meses. Voltará a dar aulas em Manaus. Há duas dezenas de candidatos ao cargo dele.
A MINISTRA Marina Silva, do Meio Ambiente, não dará o cargo para qualquer um. Embora pareça frágil, ela venceu a maioria das batalhas que travou dentro do governo. Seu lema é: todo o desenvolvimento possível com o máximo de floresta em pé e de respeito às populações. Marina é aliada do bagre. Ela é o bagre de Lula.
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