Editorial O Estado de S. Paulo
04.04.07
A irresponsabilidade com que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tratou a questão do apagão aéreo, transformada a partir de sexta-feira em crise militar, foi assustadora. Seu comportamento, no entanto, seguiu um padrão já conhecido. No caso do mensalão, Lula não sabia de nada, muito menos que na sala ao lado de seu gabinete no Palácio do Planalto havia se instalado uma central de compra de votos e consciências de parlamentares. No caso dos controladores de vôo, ele, que rompeu os princípios basilares da hierarquia e da disciplina entre os militares, agora diz que os sargentos amotinados foram irresponsáveis e que se sente traído por eles. Como se sentirão os milhões de passageiros, que foram submetidos a prejuízos e humilhações, durante seis meses, porque o presidente achava que nada tinha a ver com o problema, e todos os cidadãos brasileiros, de repente às voltas com uma grave crise militar, porque o presidente da República não conhece seus deveres fundamentais de comandante-chefe das Forças Armadas?
O presidente Lula alega que desautorizou o comandante da Aeronáutica, na sexta-feira, porque não tinha informações completas sobre a situação e precisava restabelecer o funcionamento dos aeroportos. Também isso faz parte do jeito Lula de governar. Há seis meses os sargentos estavam em estado de sublevação, prejudicando a aviação comercial para, desta forma, obter a desmilitarização do controle aéreo e aumento de salários. A disciplina já havia sido rompida e naquela ocasião o presidente da República desautorizou o comandante da Aeronáutica, determinando que o ministro do Trabalho fosse negociar com os sargentos - providência absolutamente inócua, como os fatos posteriores demonstraram. Ao fazer isso, Lula deu aos sargentos o direito de não mais se submeterem à cadeia normal de comando. Foi isso o que os sargentos entenderam da atitude presidencial, e foi em decorrência disso que procederam, num crescendo de irresponsabilidade que chegou ao amotinamento escancarado.
Na segunda-feira, o presidente Lula percebeu que, se atrasos e cancelamentos de vôos causavam transtornos aos passageiros, a crise militar que ele desencadeou era muito pior. O rompimento da disciplina e da hierarquia, determinado pelo comandante-chefe das Forças Armadas, tinha gravíssimas conseqüências institucionais. Não só a sublevação dos sargentos controladores de vôo podia contaminar a Marinha e o Exército - onde também há sargentos descontentes com vencimentos e condições de trabalho -, como a maneira como o presidente tratou a crise havia criado uma insatisfação generalizada no oficialato das três Forças. Afinal, estava aberto o precedente para que as corporações armadas - militares e policiais - reforçassem suas reivindicações salariais e profissionais com indisciplina e baderna.
Mas o recuo do presidente veio tarde. Se decidiu não “reconhecer” os termos da verdadeira rendição que o governo havia apresentado aos sargentos, por intermédio do ministro do Planejamento - acelerar o processo de desmilitarização, conceder aumento salarial e, sobretudo, não punir os amotinados -, foi porque os fatos de novo o haviam atropelado. O ministro podia prometer que não haveria punições administrativas. Mas os sargentos cometeram um grave crime militar - e isso foge à esfera de competência do Executivo.
Cinco membros do Ministério Público Militar haviam pedido ao Comando da Aeronáutica a instauração de Inquérito Policial-Militar. E, nos meios jurídicos, articulava-se a reação aos desmandos. O ministro Celso Mello, do STF, por exemplo, saiu de sua habitual circunspecção para afirmar que os sargentos incidiram na prática de crime militar “muito grave” e esperava que o Ministério Público Militar adotasse as providências cabíveis. O brigadeiro Sérgio Ferolla, ex-presidente do Superior Tribunal Militar, defendeu a abertura de inquérito, “pois quem for conivente com o crime criminoso é”.
Coube ao ministro do Planejamento comunicar aos sargentos que o “acordo” de sexta-feira nada valia. Em seguida, as autoridades militares começaram a enquadrar os sargentos sublevados. Se eles voltarão a azucrinar milhões de passageiros das linhas aéreas, só o tempo dirá. Por agora, o que se espera é que o presidente da República leve a sério as condições da infra-estrutura aeronáutica - e que não brinque mais com fogo.
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