ESTADÃO – 23/3/2007
Deixemos aqui à parte o mérito da Emenda 3, que temos apoiado integralmente, por definir algo de importância estrutural no Estado Democrático de Direito, que é a prerrogativa de os cidadãos terem no Judiciário um Poder independente e imparcial - ao qual podem recorrer em seus conflitos com o Estado - e a garantia de que essa tutela jurisdicional jamais será usurpada pelo governo, sempre parcial, porque parte interessada: pela Emenda 3, aposta à lei que criou a Super-Receita, a instância da fiscalização fazendária não pode arvorar-se em poder judicial para autuar prestadores de serviço que se organizem em pessoas jurídicas, seja para pagar menos impostos ou para que finalidade seja.
Deixemos à parte, também, as dificuldades - para não dizer inabilidades - do governo, tanto para articular um acordo quanto para elaborar um texto satisfatório sobre a questão, que retire do projeto governamental o que os oposicionistas - e, decerto, a sociedade contribuinte - consideram, com razão, um poder discricionário do Fisco. Pois 304 deputados federais e todos os senadores que aprovaram a Emenda 3 obedeceram ao princípio contido no artigo 114 da Constituição, segundo o qual somente a Justiça do Trabalho (e não o Fisco) tem competência para decidir sobre o reconhecimento ou não de vínculo empregatício entre trabalhadores e empresas.
O fato de o presidente do Senado, Renan Calheiros, ter anunciado, na quarta-feira, que convocará sessão do Congresso Nacional, dentro de 20 dias, para examinar o veto presidencial à Emenda 3 enseja uma reflexão mais geral sobre o mecanismo da revisão legislativa dos vetos governamentais a projetos de lei aprovados pelo Congresso. Não se discute o direito que o chefe de governo tem de vetar uma proposta legislativa, visto que no regime presidencialista de uma democracia representativa tanto os legisladores quanto os governantes eleitos têm o respaldo da outorga popular para seus votos e decisões. O problema é a forma como se operam essas decisões políticas e seus efeitos práticos sobre o funcionamento da administração e a vida da sociedade. E aí ressalta como efeito mais notório o estado de insegurança jurídica, quando não se completa o processo legislativo, cuja última etapa é a apreciação do veto. Ou seja, a derrubada de um veto, com demora de meses ou anos, acaba subvertendo a lei que, no ínterim, entrou em vigor e produziu efeitos jurídicos e situações irreversíveis.
Verdade é que desde 1994 - primeiro mandato do presidente FHC, portanto - o Congresso Nacional deixa de cumprir sua obrigação constitucional de apreciar os vetos presidenciais no prazo de 30 dias, razão por que já se acumulam 174 vetos presidenciais não votados (105 parciais e 69 totais). É como se o Legislativo federal abdicasse do direito, conferido pelo artigo 66, parágrafo 4º da Constituição, de aprovar ou não a rejeição do chefe de governo à deliberação legislativa. Aí, talvez, a opção pelo "menor esforço" de deixar todas as decisões para o governo (menos, é claro, as relativas aos salários das Casas legislativas, por coincidência objeto das raras derrubadas de vetos presidenciais) se deva em parte à complicação, contida no mesmo parágrafo, de se apreciar o veto por escrutínio secreto, em sessão conjunta da Câmara e do Senado, somente se revogando a decisão do presidente da República pelo voto da maioria absoluta dos congressistas (a saber, por 257 votos na Câmara e 41 votos no Senado).
A rigor, findo o prazo constitucional de 30 dias para a apreciação dos vetos presidenciais, não votado o veto trancaria a pauta do Congresso, tal como ocorre na Câmara e no Senado com as Medidas Provisórias. Mas, como não são convocadas as sessões conjuntas, o prazo constitucional tem virado letra morta. Daí existirem propostas para alteração dessa sistemática, como a do senador Marco Maciel (PFL-PE) - grande estudioso dos mecanismos político-constitucionais -, que sugere a apreciação dos vetos presidenciais em sessões separadas da Câmara e do Senado, com o trancamento das pautas das Casas, uma vez excedido o prazo.
Infelizmente, a maioria dos parlamentares não se dá conta do prejuízo institucional representado pela perda auto-infligida da prerrogativa de examinar vetos. Os legisladores caboclos, por acomodação política ou preguiça, acham mais cômodo deixar tudo à deliberação do todo-poderoso presidente da República.
Deixemos aqui à parte o mérito da Emenda 3, que temos apoiado integralmente, por definir algo de importância estrutural no Estado Democrático de Direito, que é a prerrogativa de os cidadãos terem no Judiciário um Poder independente e imparcial - ao qual podem recorrer em seus conflitos com o Estado - e a garantia de que essa tutela jurisdicional jamais será usurpada pelo governo, sempre parcial, porque parte interessada: pela Emenda 3, aposta à lei que criou a Super-Receita, a instância da fiscalização fazendária não pode arvorar-se em poder judicial para autuar prestadores de serviço que se organizem em pessoas jurídicas, seja para pagar menos impostos ou para que finalidade seja.
Deixemos à parte, também, as dificuldades - para não dizer inabilidades - do governo, tanto para articular um acordo quanto para elaborar um texto satisfatório sobre a questão, que retire do projeto governamental o que os oposicionistas - e, decerto, a sociedade contribuinte - consideram, com razão, um poder discricionário do Fisco. Pois 304 deputados federais e todos os senadores que aprovaram a Emenda 3 obedeceram ao princípio contido no artigo 114 da Constituição, segundo o qual somente a Justiça do Trabalho (e não o Fisco) tem competência para decidir sobre o reconhecimento ou não de vínculo empregatício entre trabalhadores e empresas.
O fato de o presidente do Senado, Renan Calheiros, ter anunciado, na quarta-feira, que convocará sessão do Congresso Nacional, dentro de 20 dias, para examinar o veto presidencial à Emenda 3 enseja uma reflexão mais geral sobre o mecanismo da revisão legislativa dos vetos governamentais a projetos de lei aprovados pelo Congresso. Não se discute o direito que o chefe de governo tem de vetar uma proposta legislativa, visto que no regime presidencialista de uma democracia representativa tanto os legisladores quanto os governantes eleitos têm o respaldo da outorga popular para seus votos e decisões. O problema é a forma como se operam essas decisões políticas e seus efeitos práticos sobre o funcionamento da administração e a vida da sociedade. E aí ressalta como efeito mais notório o estado de insegurança jurídica, quando não se completa o processo legislativo, cuja última etapa é a apreciação do veto. Ou seja, a derrubada de um veto, com demora de meses ou anos, acaba subvertendo a lei que, no ínterim, entrou em vigor e produziu efeitos jurídicos e situações irreversíveis.
Verdade é que desde 1994 - primeiro mandato do presidente FHC, portanto - o Congresso Nacional deixa de cumprir sua obrigação constitucional de apreciar os vetos presidenciais no prazo de 30 dias, razão por que já se acumulam 174 vetos presidenciais não votados (105 parciais e 69 totais). É como se o Legislativo federal abdicasse do direito, conferido pelo artigo 66, parágrafo 4º da Constituição, de aprovar ou não a rejeição do chefe de governo à deliberação legislativa. Aí, talvez, a opção pelo "menor esforço" de deixar todas as decisões para o governo (menos, é claro, as relativas aos salários das Casas legislativas, por coincidência objeto das raras derrubadas de vetos presidenciais) se deva em parte à complicação, contida no mesmo parágrafo, de se apreciar o veto por escrutínio secreto, em sessão conjunta da Câmara e do Senado, somente se revogando a decisão do presidente da República pelo voto da maioria absoluta dos congressistas (a saber, por 257 votos na Câmara e 41 votos no Senado).
A rigor, findo o prazo constitucional de 30 dias para a apreciação dos vetos presidenciais, não votado o veto trancaria a pauta do Congresso, tal como ocorre na Câmara e no Senado com as Medidas Provisórias. Mas, como não são convocadas as sessões conjuntas, o prazo constitucional tem virado letra morta. Daí existirem propostas para alteração dessa sistemática, como a do senador Marco Maciel (PFL-PE) - grande estudioso dos mecanismos político-constitucionais -, que sugere a apreciação dos vetos presidenciais em sessões separadas da Câmara e do Senado, com o trancamento das pautas das Casas, uma vez excedido o prazo.
Infelizmente, a maioria dos parlamentares não se dá conta do prejuízo institucional representado pela perda auto-infligida da prerrogativa de examinar vetos. Os legisladores caboclos, por acomodação política ou preguiça, acham mais cômodo deixar tudo à deliberação do todo-poderoso presidente da República.
Nenhum comentário:
Postar um comentário